ou: como eu aprendi a parar de me preocupar e amar a mecânica de vantagem de D&D 5e
No começo do século XXI, no ápice de sua influência simulacionista, D&D tinha uma regra intitulada “melhor amiga do mestre”. Cada coisa a favor do personagem dava +2 na jogada de d20. Cada coisa contra o personagem dava -2 na jogada de d20. Você podia contar quantas coisas contra ou a favor existiam, para saber o tamanho do bônus. Por exemplo, se você está vestindo uma camisa do Vasco enquanto tenta convencer um flamenguista a ir no show do Los Hermanos, sofre um redutor de -4. -2 pela camisa do Vasco e -2 por ser um show dos Los Hermanos (onde você tava com a cabeça?). Se você oferece para o camarada uma bela gelada, o redutor cai para -2 (-2 pela camisa, -2 pela banda, +2 pela gelada). Se for uma cerveja de trigo e o cara tiver bom gosto, isso pode deixar elas por elas. Parece prático e ágil, né?
Na prática, você nunca (ou quase nunca) usava a regra desse jeito. O jogo era repleto de subsistemas expressos para quase tudo. Inclusive, as perícias de interação social usavam subsistemas individuais, fazendo com que o nosso exemplo do parágrafo acima não se adeque de verdade às regras como escritas.
Hoje em dia, quando temos mecânicas tão práticas e elegantes quanto vantagem, ficar contando +2 e -2 pode parecer chato. Não era assim a visão geral da época. Antes dela tínhamos a infinidade de tabelas diferentes do AD&D e seus esquemas confusos de jogadas de dados. Às vezes somava, às vezes subtraía, às vezes era bom rolar baixo, às vezes era bom rolar alto. A 3e introduziu uma mecânica unificada: rolar o dado, somar modificadores, comparar com um número-alvo. É simples, rápido e tão prático que continua em uso até hoje, mesmo sem os bônus circunstanciais. Diante dessa nova mecânica central, ninguém parecia se importar muito em somar e subtrair… até ser tarde demais.
Sim, é uma versão reggae vascaína de uma música dos Los Hermanos.
O que é vantagem/desvantagem?
Eu imagino que você saiba o que é a mecânica de vantagem e desvantagem de D&D, mas vamos explicar como ela funciona para ficar tudo nos conformes. Se você achava que era alguma coisa estilo GURPS de pegar Doente Terminal antes de jogar one-shot você está enganado. Primeiro que o artigo não é sobre isso e depois porque você não pode usar Doente Terminal em one-shot.
Em D&D 5e, quando as coisas estão a favor do personagem, ele lança dois dados e fica com o melhor resultado. Isso é vantagem. Quando as coisas estão contra o personagem, ele lança dois dados e fica com o pior resultado. Isso é desvantagem. Se você teria vantagem e desvantagem ao mesmo tempo, elas se anulam. E é basicamente isso.
Por que vantagem é elegante?
Da primeira vez que eu vi a mecânica de vantagem da quinta edição eu a odiei completamente. Ainda agarrado aos arroubos de simulacionismo da 3e (e do Pathfinder), me irritava demais que um cara vendado, envenenado, usando a mão ambiesquerda e atacando de cabeça pra baixo tivesse as mesmas chances de acerto e erro que um cara que só está vendado.
Inclusive, tem vários casos curiosos que a mecânica de vantagem/desvantagem causa na 5e, dentro do paradigma de “representar um mundo ficcional” em vez de “jogar um jogo”.
Duas pessoas lutando no escuro, por exemplo, vão se acertar com a mesma frequência de duas pessoas lutando sob a luz. Você ganha vantagem nos ataques pelo seu oponente não poder te ver e ganha desvantagem por não poder ver o seu oponente; logo, tudo se anula e fica elas por elas. Quem já passou pelo processo arcano de enfrentar criaturas invisíveis na 3e sabe o quão diferente isso é. Se você não lembra, tem um artigo de quase três mil palavras arquivado no site da Wizards explicando como era.
Com vantagem/desvantagem, em vez de precisar passar por todos vocês passos você joga dois d20 e escolhe o melhor ou o pior. Se isso não é elegante, eu não sei o que é. Ela ainda permite que mais espaço dos livros seja gasta com descrições e dicas. Se não fosse vantagem/desvantagem, o Livro do Mestre não teria uma página sobre wuxia que parece copiada e colada de um livro dos anos 80 escrito por alguém que nem sabe quem é Guan Yu.
Por que vantagem é uma mecânica boa?
OK, rolar dois dados é mais simples, ágil e elegante que ficar contando +2/-2. Só que isso não é necessariamente uma coisa boa. Dependendo do que você quer fazer, simplificar não ajuda. De vez em quando agilidade não é vantajoso. Não é o caso de D&D, mas alguns jogos querem passar a sensação de lentidão e deliberação nas ações. Nesses casos, a mecânica da 3e (ou outra parecida) acaba sendo mais adequada.
Vantagem não é uma mecânica boa apenas por ser elegante. Ela é boa por causa da interação com outro elemento central da 5e: bounded accuracy. Para não nos estendermos na explicação, vamos dizer que é a ideia de que um aventureiro de nível alto ainda pode ser atingido pela espadada de um goblin. Os bônus de ataque são mais baixos e a CA também é mais baixa que na 3e. Assim, o valor do dado é mais importante que os bônus.
Além de garantir que a mesma mecânica vai ser relevante por toda a carreira do personagem, essa mecânica garante que o resultado do dado seja importante. Em mesas realmente otimizadas da 3e, você lança o dado para saber se tirou 1 ou 20. Isso se não for uma jogada de perícia — daí nem 1 ou 20 fazem diferença mais. Como algumas perícias tinham Classes de Dificuldade fixas, era comum parar de colocar pontos nelas depois de determinado nível, especialmente se o personagem tinha alguma habilidade de escolher 10 mesmo durante encontros tensos. Isso não acontece na 5e. Seus bônus sobem, mas continuam pequenos se comparados ao resultado do dado. É uma solução bem mais bacana do que a da 4e, que fazia a dificuldade subir na mesma proporção que os seus bônus, garantindo que você raramente ficasse de fato melhor em alguma coisa.
Saiba mais
Para um papo bacana sobre a amplitude concedida pela bounded accuracy, confira o artigo Por que a Bounded Accuracy tornou a 5e mais ampla do Edu Vieira.
Para um resuminho das regras básicas do D&D 5e, confira o Guia básico: Regras D&D 5e do RPG Next.
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