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  • Foto do escritorAnaíse Nóbrega

RPG - Imersão e o Jogo Teatral [Parte 4 - Mantendo a Concentração]




Olá pessoal! Tudo bom? Faz um tempinho desde o último dessa série né?! Mas aqui estou eu, de volta (e agora no RPG Notícias)! Chega de espera!(Bom, na minha cabeça eu quero acreditar que tinha alguém esperando…com licença. ;p ) 


Recapitulando um pouco os artigos anteriores, conversamos sobre a presença e a necessidade de estar no aqui e agora. Em um segundo momento falamos sobre empatia e a importância de criar um ambiente onde os jogadores sintam-se livres para se colocar diante uns dos outros e no post número 3, conversamos sobre como jogar em equipe, mesmo quando temos relações de antagonismo e/ou inimizade entre os personagens. 


Prosseguindo com minhas análises da comunidade RPGística (meu grupo incluso), percebi que outro grande desafio das mesas é — sejam elas presenciais, virtuais, streamadas, etc — em maior ou menor grau, a manutenção da concentração e, consequentemente, do engajamento dos jogadores. 


Em partes, acredito que isso pode estar ligado à forma como entendemos o que é estar concentrado no jogo. Quando perguntei sobre isso nos grupos RPG de Mesa, Pensando Dungeons & Dragons e na mesa que jogo atualmente, boa parte das definições que recebi falavam muito sobre desligar-se completamente da realidade e estar tão envolvido com o jogo que não se dá conta da realidade (também recebi dicas muito boas sobre como lidar com a falta de foco e falaremos delas no fim do post!).


De fato, um certo grau de abstração é necessário, mas será que estar concentrado e imerso no jogo é enxergar somente através dos olhos do meu personagem e “incorporá-lo” quase que como uma entidade?


Pensemos na dinâmica do grupo. Assim como um grupo de Teatro (falando especificamente dos grupos de criação coletiva), um grupo de RPG é composto por diversos indivíduos, cada qual com sua história, sua carga pessoal, unidos por um objetivo em comum — no caso, contar uma história, comunicar e compartilhar algo. Há outras linhas de pensamento na História do Teatro que podem discordar, mas vou seguir por esta, já que o objetivo é buscar um aprendizado através das semelhanças. No caso do RPG buscamos também entretenimento e diversão (e sair um pouco dos nossos problemas, né?).


Algo bem particular do nosso jogo (assim como de um ensaio) é que ele exige bastante comprometimento e sua fluência depende muito de como os jogadores se envolvem com a criação e desenvolvimento daquela trama. Se eu estou muito dispersa, muito distraída, posso até aproveitar a companhia dos meus colegas, mas provavelmente não vou aproveitar tanto o jogo — e posso acabar, inclusive, atrapalhando o jogo de quem está mais focado. Por outro lado, se eu ficar excessivamente focada em “ser” o meu personagem, talvez eu não consiga prestar atenção se estou propondo jogo/troca para os outros jogadores — afinal, jogar junto também é saber ceder espaço para aquele colega mais inseguro, ou mais na dele. O protagonismo, a criação do experimento é compartilhada. 



Imagina que caos, toda essa gente em cena e cada um focado apenas em se emocionar com o próprio personagem...
A Bela e a Fera, de 2017. Dirigido por Bruno Rizzo. Foto de divulgação do espetáculo.

Imagina que caos, toda essa gente em uma cena desse tamanho e cada um focado apenas em se emocionar e "sentir" o próprio personagem...


Então qual seria o nível de abstração ideal? 


Vamos pensar em outro hobby que demande um nível similar de engajamento. Uma aula de dança, ou uma arte marcial, por exemplo. Ou mesmo uma aula de teatro/ensaio. Qual é o procedimento? A gente chega, as vezes um pouco mais cedo, vai trocando ideia com os amigos, com os colegas. Aí a aula começa — e de alguma forma, nesses lugares a gente tende a respeitar o pacto social de não mexer no celular e não ficar parando a aula pra conversar o tempo todo. Mesmo quando a gente sai pra beber água, ou para aqueles cinco minutinhos pra descansar e/ou bater um papinho, a gente consegue retomar e se envolver de novo na atividade sem maiores problemas. 


Estes também são lugares onde — de modo geral — conseguimos efetivamente deixar do lado de fora o que não é de lá (as confusões da empresa, a última treta no grupo da família…) e focar somente no que pertence a ele: as pessoas que ali estão e os problemas específicos que temos pra resolver ali (aprender um novo movimento, resolver uma cena, aperfeiçoar uma sequência…). 


Eu preciso , por exemplo— por mais que esteja super envolvida na representação do meu personagem — prestar atenção no momento em que outro colega vai entrar e sair de cena, ou quando vai interagir comigo. Se é um número que envolve dança e deslocamento, preciso estar consciente do tamanho do palco, ou posso cair, ou esbarrar em alguém, etc. Estamos vivendo o personagem, porém não estamos 100% desligados da realidade ou do espaço que nos cerca — nós fazemos com que ele trabalhe a nosso favor.


Suponho que em partes isso aconteça devido à pessoa que conduz as atividades nesses ambientes: um professor, um diretor…alguém que está ali pra efetivamente comandar o andamento da coisa. Também tem a questão de que consideramos estas pessoas “figuras de autoridade”, o que — a meu ver — não acontece, e nem deveria acontecer com a figura do narrador.


A outra parte diz respeito a como enxergamos estes espaços. Quando praticamos estas atividades como hobbies, criamos um espaço extra-cotidiano. Um lugar onde ativamente queremos nos dedicar ao nosso lazer e não pensar no dia-a-dia (no caso do Teatro pra mim se trata de trabalho, mas estou considerando aqui pessoas que fazem Teatro por hobby também) e estamos dispostos a tomar as medidas e fazer os esforços necessários pra que isso aconteça. 


Portanto, acredito que estar concentrado é estar disponível e em estado de prontidão para responder aos estímulos do jogo.





Mas como criar um espaço extra-cotidiano e manter todos envolvidos? 


  • Chegue antes do horário do jogo. Assim você pode ter aquele tempinho pra jogar conversa fora, ficar de boas e entrar no clima da mesa aos poucos.

  • Pensemos também no mais óbvio: se possível, procurem deixar os celulares guardados, de preferência longe de vocês. Se você precisar levantar pra pegar o celular ou ir pra outro cômodo, provavelmente você só irá fazê-lo nos momentos de intervalo, ou quando for realmente necessário. Se alguém tiver algo muito urgente pra falar com você, provavelmente irá telefonar. 

  • Se vocês usam aplicativos de celular durante a sessão, façam um acordo entre si sobre os aplicativos que podem ser utilizados/consultados durante a mesa (e respeitem o acordo). Vocês podem, se quiserem, criar mini-punições/prendas para o grupo todo, caso o tratado seja violado — assim, a gente cria uma consciência coletiva de que nossas ações prejudicam o grupo como um todo. Além disso, silenciem temporariamente as notificações de e-mail e apps de mensagem. 

  • Seja minimalista! Evite excesso de elementos no espaço de jogo (seja ele presencial ou virtual). Por exemplo: Deixem sobre a mesa somente os dados que serão utilizados. Dêem uma função para todos os objetos que estiverem sobre o espaço — mesmo aqueles que estiverem ali colocados por questão estética, como velas, crânios, baús, miniaturas, livros, réplicas de armas. Evite coisas que não tem a ver com o contexto da aventura — não as deixe ali só porque “são legais”, pois serão apenas mais fontes de distração (vide jogadores empilhando dados). 

  • Sobre o espaço de jogo, pra quem joga em mesas virtuais: Organize seu espaço virtual (essa é um desafio gigante pra mim)! Feche TUDO que não diz respeito ao jogo. Eu uso dois monitores. Em um deles deixo abertos os PDFs com minha ficha de personagem, os cartões que fiz com os poderes, a imagem da personagem e o documento onde faço as anotações sobre o jogo. No outro ficam o Roll20, o Discord e a Wiki do D&D 4ª Edição (geralmente é minha função ajudar o narrador a tirar alguma dúvida sobre poderes/regras).

  • Façam algum tipo de aquecimento. Pode ser recapitular o jogo em conjunto, pode ser todo mundo começar a conversar casualmente como se fossem os personagens…vai da criatividade e necessidade de vocês!

  • Mesmo quando a ação não for sua, considere que ainda está em jogo. Observe a ação do seu colega — talvez você possa ajudar e/ou aprender alguma coisa com a forma que ele joga! Olhe para o seu colega — mesmo que através de uma Webcam. Estabeleça o foco nele, quando for ele o centro das atenções. Pra quem joga apenas por voz ou por texto, isso pode ser um pouco mais desafiador. 


Também recebi algumas dicas sensacionais do pessoal que participou da minha mini-pesquisa! Separei algumas pra vocês: 


  • No grupo RPG de Mesa, o Daniel Carvalho sugeriu delegar funções. Por exemplo: um jogador é o responsável pelas iniciativas. Ele as anota, ordena e dita. Tanto de jogadores como de monstros. Outro, será responsável por contabilizar os pontos de vida. Outro pode organizar o tabuleiro de combate, se houver um e por fim, alguém pode ficar responsável por controlar a duração dos efeitos de magias…entre tantas outras. Concordo com ele, acho que delegar funções dá aos jogadores mais propriedade sobre o jogo e mantém todo mundo atarefado.

  •  No grupo Pensando Dungeons & Dragons, o Giovanni Miguel falou em dar pontos extras por interpretação, assim todo mundo acaba prestando atenção no jogo  e querendo se envolver— afinal, queremos evoluir nosso personagem, não é mesmo? Na minha mesa fazemos algo parecido. Chamamos o ponto de interpretação de “ponto extra”. Ao final de casa sessão, os jogadores votam naquele que eles consideram que teve a melhor interpretação (não vale votar em si mesmo!) — e o interessante é que nem sempre ele vai para a pessoa que fez a coisa de forma mais “““realista””” ou cinematográfica. As vezes, os votos vão pra alguém que teve uma ideia que salvou o grupo, ou que teve um resultado decisivo em um confronto difícil, ou que deu uma sugestão muito boa pro personagem de outro player interpretar. Assim, mesmo quem não tem tanta facilidade para a dramatização, se sente valorizado!

  • Também no grupo Pensando Dungeons & Dragons, o Carlos Gustavo sugeriu que quando o grupo estiver com muita perda de foco, seja feito um intervalo curto de 10 a 15 minutos e aí voltar com a construção da atmosfera (música, show pirotécnico, vocês conhecem o esquema!). Na minha experiência dando aulas de inglês para adolescentes, isso funciona bastante. Depois de uma pausa pra meditar sobre a vida, o universo e tudo mais, geralmente as pessoas voltam revigoradas. 

Pra finalizar, sei que o nível de concentração também depende de outros fatores: às vezes estamos passando por um problema sério. Ou pode ser que as expectativas do grupo não estejam alinhadas…se for este o caso, tentem conversar sobre e chegar a um acordo — assim o jogo pode ser aproveitado por todos!


Obrigada a quem acompanhou até aqui e obrigada a todos que participam das discussões, seja nas mini-pesquisas ou nas postagens dos artigos! ❤ 


O que mais vocês propõem sobre a concentração no jogo? Já testaram algumas dessas dicas? O que funciona (ou não) pra vocês? Bora trocar ideia!

1 comentário

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Marcelo De Carvalho Ortolani
Marcelo De Carvalho Ortolani
Jul 14, 2019

Oi Anaíse!


Eu estava esperando sim o seu próximo artigo! Parabéns por estar no RPG Notícias: você merece!


Novamente um ótimo texto: suas linhas de raciocínio interseccionam a arte do teatro e do RPG construindo um bordado que só poderia ver a luz do dia graças a seu ponto de vista diferenciado e sua sensibilidade.


Antes de mais nada gostaria de ressaltar o quanto suas matérias são valiosas por apresentar dicas para JOGADORES. Matérias com dicas para mestres são comuns; matérias com dicas para jogadores, não.


Sua comparação da concentração no jogo de RPG com a concentração no jogo teatral é muito esclarecedora! Ela leva diretamente à sua definição de concentração que "é estar disponível e em estado de prontidão…


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