Terminei de ler Vampire the Masquerade: Anarch, o Livro dos Anarquistas então agora posso falar aqui sobre algumas percepções informais que tenho dele.
O livro traz bem para o leitor a proposta do que é o movimento anarquista atual do cenário de V5: descentralizado, caótico e multi-cultural. Para alguns isso é um defeito e, inclusive, é uma das principais razões para tanta gente não curtir os anarquistas. Mas falando por mim, este é um dos principais motivos de achar os anarquistas tão mais interessantes e divertidos: você nunca vai ter um padrão entre territórios, entre barões, nem entre os próprios anarquistas. Jogar de anarquista é relacionado com jogar de guerrilha, de grupos multi facetados e com uma abrangência de possibilidades e liberdade de jogo muito maior.
Esta é a palavra-chave aqui: liberdade. Do início ao fim do livro, os anarquistas deixam bem claro qual é o ideal em comum deles. Liberdade e a possibilidade de um mundo melhor. Mas liberdade para quem? Um mundo melhor para quem? Esta também é uma das discussões mais interessantes que você vai ver constantemente no livro e que mostra, mais uma vez, a descentralização dos vampiros anarquistas.
Agora alguns pontos que acho relevantes comentar sobre o livro em si:
Textos
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Eu vou ser sincera. Se você for ler o livro, espere ter 50% de conteúdo para jogo, 30% de textos relevantes que apresentam vários aspectos relacionados com a caçada e as filosofias cainitas, e 20% de encheção de linguiça. Sério, tem muito texto neste livro que é totalmente dispensável para o conteúdo. São como textos soltos que estão ali não necessariamente para agregar ao conteúdo da história ou da lore, mas apenas para estarem.
A sensação que dá é que foi uma demanda de que o livro tivesse 200 páginas e, quando faltou conteúdo relevante para se tratar, tiveram que preencher com textos sem direcionamento real. Alguns falam sobre cainitas, outros não, mas todos eles têm algo em comum: não têm absolutamente nada a ver com trazer conteúdo relevante para um jogo de anarquistas. Isto foi algo que me desapontou um pouco, o que faz parte do livro perder a graça às vezes. No entanto boa parte desses textos estão na primeira metade do livro. Da segunda metade em diante parece que o livro finalmente engata seu foco novamente no conteúdo principal dele.
Conteúdos
O livro traz uma grande quantidade de conteúdos muito bons para você jogar focado em anarquistas. Ele fala sobre táticas de guerrilha, infiltração na Camarilla, exemplos de como organizar uma cidade anarquista, os tipos mais comuns de coteries que você encontra entre eles, o modo como os clãs “traidores” (aka: antes Camarillas) veem e lidam com o movimento e traz muitos textos bastante interessantes sobre diferentes formas de caçadas entre cainitas ao redor do mundo. Aliás, esqueça esse negócio de “anti-tribu” também. Os anarquistas não chamam vampiros de outros clãs disso, nem mesmo os próprios se veem como tal. Vale lembrar que a política cainita atual está tão caótica e por água abaixo que o conceito de anti-tribu basicamente caiu por terra.
Minhas partes preferidas do livro são as do Salvador Garcia e Agata Starek, que são basicamente os personagens desse livro que trazem a maioria dos conteúdos mais relevantes e diretamente relacionados com jogar como anarquistas.
O livro também traz novas loresheets e mais informações sobre cultos religiosos vampíricos que conseguem ter a possibilidade de crescer dentro dos territórios anarquistas. Eu esperava que o livro tivesse trazido novos tipos de coteries e novos tipos de caçador, talvez mais qualidade e defeitos, mas infelizmente não foi o caso. O livro em si é muito mais voltado para acrescentar lore e não mecânica.
A maioria dos textos também faz um ótimo trabalho para mostrar como a maioria dos vampiros anarquistas é de jovens de um novo mundo, com novas perspectivas e estilos de vida totalmente incompatíveis com os clássicos ideais vampíricos que vemos por aí. Muitos deles são millenials típicos, jovens de vanguarda, antifas, estudantes de faculdade ou inseridos de alguma forma em movimentos contemporâneos que hoje são tão comuns para nós.
Ministros de Set
Você achava que setita era religioso antes? Achou errado, otário! O livro traz para o jogo a volta dos amados/odiados setitas, com uma modernização do nome e do próprio conceito do clã. Os Ministros de Set, de acordo com eles mesmos, já atingiram a iluminação. Eles já foram tocados por Set. Eles não precisam “seguir” Set, por que Set é eles, está dentro deles. Seu trabalho não é mais seguir os dogmas, as vontades ou as filosofias da entidade, mas sim abrir os olhos velados da ignorância dos outros, para permitir que Set entre neles também. Interprete isto da maneira como quiser.
Seja como for, os Ministros de Set agora tomam como normas de vida ideais muito mais espirituais do que antes, para o bem ou para o mal. Se você vai ser o evangelizador que faz sacrifícios de sangue no altar, se você vai ser o “senhor da razão” que tenta refutar cada parágrafo da bíblia na frente de um crente, se você é o segurança de shopping que fica procurando por adolescentes incels pra persuadir a dar um rolê num culto maneiro e ter umas revelações diferenciadas, vai de você. Cada Setita é o próprio Set e é fundamental para eles que todos possam ser agraciados com tal iluminação.
Sexo e vampiros
Eis aqui um assunto polêmico. Para quem acompanha VtM a anos sabe que quando o assunto “vampiros fazem sexo?” vem à tona, é treta garantida. Os próprios livros anteriores sempre falharam em esclarecer esta dúvida.
Algumas vezes, os livros de edições antigas diziam que vampiros não tinham satisfação sexual… e logo em seguida descreviam cenas sexuais entre cainitas, ou entre vampiros e humanos, etc. E por causa disto este era um assunto que sempre trazia discussões infinitas nas threads, de um lado gente defendendo que vampiros são incapazes de fazer sexo, do outro lado gente defendendo que se quiser, faz sim.
Se nos seus jogos seu vampiros são celibatários ou transantes, no final, é indiferente. Mas, se você quer finalmente uma resposta oficial, tá aqui nesse livro: vampiros transam e transam muito. No livro dos anarquistas, cainitas especialmente jovens se mostram sexualmente muito ativos, inclusive apresentando grandes tendências a desenvolver fetiches. Que o BDSM e VtM sempre andaram de mãos dadas nunca foi novidade para ninguém, mas o livros dos anarquistas deixa claro como a juventude e a aproximação com a humanidade que a maioria dos anarquistas costumam ter os deixam mais propensos a cultivarem desejos sexuais e desejos por relacionamentos.
Vale sempre lembrar que, para vampiros, sexo vem com sangue e mesmo aqui fica claro que um vampiro só consegue sentir o verdadeiro prazer que uma relação sexual pode oferecer se for combinado com presas e vitae, o que torna a experiencia especialmente perigosa e muito melhor do que sexo normal. Mas para completar, sim: vampiros transam, sentem tesão e adquirem fetiches. Não dá mais pra dizer que não é canônico.
Veredito final (e pessoal)
O livro não é perfeito e certas coisas ali poderiam ter sido substituíveis por outros adendos mais relevantes ao jogo em si. Mas, num geral, eu adorei o livro. Ele é repleto de conteúdos muito interessantes e extremamente úteis para ajudar a aprimorar os jogos e a entender, afinal, o que é ser anarquista e o que isto significa dentro da sociedade cainita.
Ele traz muitos exemplos super interessantes para ajudar a desenvolver métodos de caçadas, métodos de enfrentamento contra a Camarilla (ou outros agentes inimigos), métodos de como organizar grupos e cotéries, e o modo de vida extremamente abrangente e disperso que os anarquistas vivem no mundo todo.
Principalmente, como usar a aproximação com humanos ao seu favor. Eu super recomendo o livro, especialmente para quem tem dificuldades de entender qual é a dos anarquistas, e pra mostrar que aqui não é só bagunça: aqui é bagunça, tiro, porrada e bomba.
Caso se interesse, você pode adquirir o livro pela Amazon.
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